27 março 2010

Educação e EJA: O Problema é mais "em baixo"...

Acredito que toda tentativa de erradicar o analfabetismo e de dar oportunidade de continuidade de estudo é válida. Um país que não busca resolver seus problemas com a educação é uma país fadado à estagnação. Claro que estes problemas deveriam ser sanados já no Ensino Básico, preferencialmente quando o aluno está mais próximo da idade/série chamada ideal.

Se o número de analfabetos e de pessoas que não concluíram o Ensino Básico (até o Ensino Médio) é grande, isto significa que existem falhas no sistema educacional que precisam ser consertadas. O ideal seria que as próprias escolas de curso regular abraçassem as causas de tanta evasão escolar e contribuíssem para a sua minimização.

Por outro lado, a gente sabe que os problemas não estão apenas na escola. Como fazer uma criança ter interesse e dedicação pelos estudos se nem o básico para uma vida digna ela possuí? A gente sabe que a grande maioria das crianças evadidas sofre problemas sócio-econômicos terríveis: falta de moradia, desemprego, pais ausentes, fome, doenças físicas e mentais, marginalidade, prostituição infantil, uso de drogas e entorpecentes, entre outros. São dezenas de problemas a serem resolvidos e a educação passa a não ser mais prioridade na vida desses alunos.

As escolas lotadas, com salas de aula abarrotadas, não são capazes de administrar tantos problemas de indisciplina que tais alunos acabam causando. Por sinal, crianças e adolescentes que convivem com tantos problemas sociais e econômicos precisariam de dedicação mais exclusiva. Porém, o que ocorre é o contrário, 40 alunos numa sala de aula. Os professores não dão conta mesmo.

Neste ínterim, surgem as políticas de erradicação do analfabetismo e de retorno à escola por aqueles que pararam de estudar. Vemos casos muito bonitos de pessoas que conseguiram superar as dificuldades que a vida lhe proporcionou e passam, então, a poder usufruir de uma vida letrada. Pessoas que deixaram de estudar para ir trabalhar, que não tinham moradia, que passavam fome e que não puderam desfrutar da escola no momento certo. O retorno dessas pessoas aos estudos causa uma grande satisfação, pois elas voltam com mais vontade, com mais dedicação. Professores se sentem realizados quando encontram alunos-amadurecidos que retornam às carteiras das salas de aula.

Por outro lado, também vemos muitos casos que os problemas persistem, voltando à tona nas EJAs. Alunos que não se deram bem no Ensino Regular, que repetiram de ano inúmeras vezes e que buscam o "supletivo" somente para pegar o diploma. Continuam desinteressados, continuam com dificuldades de aprendizagem, continuam carregando seus problemas e causando dificuldades aos educadores. As EJAs para estes não são oportunidade, mas sim continuação de uma vida de "frustrações educacionais".

Em minha opinião, o ideal seria que os investimentos fossem feitos logo no Ensino Regular (idade/série ideal) e também na qualidade de vida da população mais carente. Ou seja, um ensino público de qualidade junto com ações que melhorassem as condições de moradia, de alimentação, de saúde dessa população mais necessitada. Somente investindo em todos esses aspectos, teríamos condições de evitar a evasão escolar e, assim, os casos de necessidade de EJA seriam menores. Temos excelentes professores que querem muito ensinar e fazer bem o seu serviço. Muitos destes se cansam e se acomodam porque o aluno que vem para a sala de aula traz tantas carências que fica impossível dar uma boa aula. Muitos professores precisam dar conta de educar, ensinar limites, ensinar boas maneiras, ensinar regras de convivência social, ensinar tudo e mais um pouco. Precisam também se responsabilizar pelas carências afetivas, econômicas, sociais e culturais de seu alunado. Além disto, são cobrados pela aprendizagem integral desses alunos com excesso de problemas. Como dar conta de tantos afazeres?

Não é à toa que muitas escolas não agüentam o tranco. Não é à toa que muitos professores ficam doentes. Não é à toa que o Sistema Educacional acaba falindo.

No meu município existem escolas estaduais e municipais que realizam o trabalho de EJA. Existem investimentos sendo feitos. Como em todo o Sistema Educacional no Brasil, muita coisa boa é feita quase por milagre, mas muita coisa ainda precisa melhorar nesta modalidade de ensino. Particularmente, no sistema estadual, da qual faço parte, sei que este ano o governo estadual está investindo em materiais específicos para os alunos e professores de EJA. São os cadernos do aluno e cadernos do professor para cada uma das disciplinas. Os cadernos do professor possuem seqüências didáticas, as chamadas "Situações de Aprendizagem", voltadas para este público específico. Os cadernos do aluno possuem atividades, figuras, textos, exercícios visando estimular e facilitar o processo de aprendizagem dos alunos. Particularmente, acredito que estes materiais vieram contribuir para que os alunos realmente aprendam.

Finalizando, acredito que as EJAs são reflexo de um Sistema Educacional cheio de problemas e que faz parte de um sistema maior que não dá oportunidade de boa qualidade de vida para a maioria. O ideal seria que todos tivessem condições de estudar e aprender no momento mais apropriado, quando não houvesse muita distorção idade/série. Porém, não vai ser de uma hora para outra que todos os problemas econômico-sociais serão resolvidos. Quando bem administrado, um curso de EJA pode cumprir o seu papel educacional de forma satisfatória e certamente, dar um gás a mais na vida de inúmeras pessoas que não tiveram oportunidade anteriormente. Mas a gente sabe que o problema não é somente de educação.

O problema é mais "em baixo".


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